quarta-feira, junho 20, 2012

Desabafos

Li que para se poder escrever um livro temos que nos obrigar a escrever todos os dias, escrever sobre tudo ou sobre nada, apenas escrever, sentar em frente ao computador ou a um pedaço de papel e deixar as palavras fluírem, só assim é que pode nascer um escritor. Eu gosto de escrever, tenho mil e uma ideias sobre histórias e temas sobre os quais dissertar, mas é por vezes difícil passa-las para o papel, ordenar as ideias sem querer andar muito depressa na história, acabo por atropelar os meus próprios pensamentos e depois fico frustrada, a inspiração desvanece-se e deixo os textos a meio, incompletos, fragmentos da minha alma espalhada nestas folhas virtuais, dedicadas a ninguém ou a toda gente.

Queria fazer tantas coisas, voltar à universidade, fazer voluntariado, iniciar um curso de escrita criativa, caminhar na praia, andar de bicicleta, mas os dias, as semanas, os meses, parecem-me tão curtos, tão cheios que acho que não tenho tempo para nada, e já agora também não tenho dinheiro para fazer algumas das coisas que gostaria. E sinto-me frustrada, por não conseguir mudar a vida que me amordaça, por não ter a força de vontade para mudar o que não gosto e o que precisa de mudar. Já é uma luta enorme sair da minha cama de manhã para ir ao ginásio, no entanto, esse pequeno gesto faz-me ver que afinal até consigo mudar alguma coisa, mas e o resto?

Não há dia em que não pense se quero ou não ter filhos, isso atormenta-me constantemente e acho que não devia ser assim. Já não sei se é por eu não querer mesmo um filho se por ter medo de não o conseguir ter. Por um lado penso que ao deixar a pílula os sintomas de SOP vão reaparecer, os pelos, a queda mais acentuada de cabelo, o aumento do peso, o que para uma mulher, ainda mais de 25 anos, não é nada agradável, mas por um filho valeria a pena, certo? Mas e se depois deste pequeno sacrifício eu não conseguir engravidar? A ginecologista disse que é preciso tentar durante um ano e só depois se pode falar em infertilidade (até me tremem as mãos a escrever esta palavra) e nos tratamentos para mesma, mas não sei se quero passar por isso, não acho que tenha forças e nem acho que quero assim tanto um bebé. Não estou preparada para abdicar da minha liberdade, de não ter horários para comer, de não ter obrigação de cozinhar, essas coisas que com um bebé não se pode mesmo evitar. Os meus pais e os meus sogros estão longe, por isso só posso contar comigo e com a cara-metade, que nem sempre é de se fiar em assuntos de grande responsabilidade, mas ele quer um bebé, ou acha que quer, porque quando eu lhe falei nestas coisas todas que teríamos de abdicar, calou-se. Homens…  às vezes não gosto nada da minha vida, noutros sinto-me culpada por sentir isso quando tanta gente passa pior que eu, detesto a minha consciência …

Sem título I

O dia começou como outros tantos, o sol brilhava, os pássaros cantavam, as pessoas iniciavam os seus dias correndo de um transporte para o outro, para poderem chegar a tempo ao trabalho ou ao sítio onde tinham de estar, eu caminhava calmamente, sem destino aparente, observando a vida que me rodeava, que me acolhia sem fazer perguntas, ignorando a minha existência e aceitando-me como mais uma. E dessa parte eu gostava, de não me destacar, de não ter olhos direcionados a mim, de passar por sendo mais uma, uma pessoa entre tantas outras, sem nada que a distinga e faça sobressair, mas de vez em quando um ou outro olhar se encontrava com o meu e eu aparecia, mas não como queria aparecer, o eu que se espelhava naquele olhar era um eu que pedia cuidados, que apelava à pena, à tristeza e desse eu, eu não gostava.